top of page

O trabalho infantil no Brasil

Quando se fala em trabalho escravo ou em condições análogas à escravidão, geralmente imaginamos situações em que pessoas são obrigadas a trabalhar, mediante o uso do açoite, além de outros instrumentos que refletem acima de tudo a crueldade de quem está no domínio da relação. Da mesma forma, quando se fala em trabalho infantil, pensamos logo em crianças e adolescentes trabalhando em pedreiras, plantações, carvoarias, olarias etc.. Na verdade, as definições para trabalho escravo e para trabalho infantil não se exaurem nas condições exemplificadas, isso sem esquecer de um outro tipo de exploração, que pode inclusive decorrer da união das duas anteriores, a qual corresponde às piores formas de trabalho infantil (infantes sujeitos à escravidão, à prostituição, à pornografia, a atividades ilegais, entre outras).

Não há chicotada mais dolorosa para um trabalhador, do que sua submissão exaustiva ao serviço, unicamente porque premido pela fome a pela esperança (eterna) de voltar para casa com algum dinheiro...

Outrossim, não se pode conceber que admitamos, passiva e conscientemente - e, por quê não?, de formas irresponsável e criminosa - o trabalho de nossas crianças e adolescentes, à margem da lei e da moralidade. E, quando aqui falamos em trabalho, efetivamente estamos a abordar todas as formas de exploração infantil; do verdadeiro abandono das crianças do nosso País, e, particularmente, do nosso Estado, quando, de acordo com o artigo 227 da Constituição Federal, é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar, às crianças e adolescentes, com absoluta prioridade, os direitos à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência comunitária, além de colocá-los a salvo de todas as formas de discriminação, negligência, exploração, violência, crueldade e opressão.

Será que, legitimamente, podemos apontar os diversos erros de terceiros se, como membros da sociedade, permanecemos calados ante à situação de desprezo em que se encontram nossas crianças? Se preferimos não enxergar, por exemplo, que chegam a disputar comida com urubus nos lixões de nosso Estado?

Será que vamos permanecer inertes para o fato de que nossas crianças devem ser mesmo prioridade?

Pois bem, para o enfrentamento deste problema social complexo, a nosso ver, há de ser dado um passo fundamental: a desmistificação da cultura do trabalho infantil, ou seja, de que o trabalho infantil é necessário ao sustento da família; ou de que a criança que trabalha fica mais esperta e, quando adulta, vencerá profissionalmente; ou, ainda, de que o trabalho enobrece a criança, de sorte que é preferível trabalhar ou pedir a roubar.

Ora, a família é que deve sustentar e amparar a criança - e não o inverso. Na ausência ou impossibilidade da família, como visto, deve a sociedade e o Estado protegê-la. Não se pode admitir, portanto, que o desemprego ou miséria dos pais leve à exploração ou à mendicância dos filhos.

Igualmente constitui-se engodo, o qual só beneficia quem explora, a pedagogia da pobreza cíclica. De nada adianta uma criança esperta, desenrolada, se, no futuro, não terá chance no mercado de trabalho, cada vez mais competitivo. Isso só contribui para o maior distanciamento das classes sociais (entenda-se, a mais pobre das demais). Essa situação só resultará, irrefutavelmente, em subcidadania e mais miséria!

Por fim, não passa de embuste a alegativa de que antes trabalhar a roubar. O trabalho precoce não é alternativa à marginalidade. Muito ao contrário: na maioria dos casos, o trabalho infantil é que leva à delinqüência, quando não à prostituição, às drogas e até à morte. Só para ilustrar, basta verificarmos que, em Teresina, programas de assistência social, como a Casa de Zabelê e a Casa de Metara, amparam crianças que estavam em situação de risco social (delinqüência, drogas e prostituição), e que chegaram a esse infortúnio justamente porque perambulavam pelas ruas em atividades informais, como vendedores ambulantes, engraxates e vendedoras de cafezinho.

Destarte, como podemos perceber, os argumentos favoráveis ao trabalho precoce são frágeis, enganadores e covardemente discriminatórios! A educação é que enobrece a criança!

Necessário se faz, portanto, que acordemos e percebamos que nossas crianças estão perdendo a etapa mais importante de suas vidas: a infância... E o que é mais grave, estão desperdiçando uma etapa única, que jamais retornará. O trabalho infantil, enfim, só prepara nossas crianças para a miséria, discriminando-as violentamente, de forma irreparável.

Em conclusão, e para que não fiquemos restritos apenas a atividade de denunciar abusos, parece-nos fundamental a participação individual de cada cidadão nesse processo de erradicação do trabalho infantil. Essa colaboração social pode se dar em dois níveis: o do financiamento de ações sociais e do trabalho voluntário.

Quando pretendemos ajudar crianças pobres através de esmolas ou aquisição de produtos por elas vendidos, não estamos, na verdade, colaborando. Por trás da criança que vende produtos ou mendiga, se não há um adulto explorador, há pelo menos um adulto desesperançado, que, ele próprio sem condições de conseguir trabalho, sobrevive da exploração de crianças ou da mendicância dos filhos, independentemente dos sério riscos que os infantes correm. Então, só recursos carreados para um programa de assistência social, que ajude a criança e a sua família, pode ser eficaz. O dinheiro que se dá a um ou outro não socorre ninguém! Melhor seria a criação de uma cultura de doações permanentes para entidades sérias ou ao Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, que gerenciam programas de qualificação profissional dos pais e de educação das crianças.

Enfatizo: é dever da família, do Estado e da SOCIEDADE proteger todas as crianças contra todas as formas de exploração. Deixar a responsabilidade só para o Estado não tem produzido os efeitos esperados, pelas notórias dificuldades financeiras sempre alegadas, algumas vezes comprovadas... Deixar a responsabilidade somente para a família é desconhecer ou ser insensível às suas históricas dificuldades... Portanto, a sociedade deve ser solidária e assumir sua responsabilidade, participando efetivamente da luta contra o trabalho infantil, sob pena de também ser prejudicada por sua inércia.

Dr. Matheus Augusto Lundberg Neves

bottom of page